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O negócio “ultrajante” da dívida de Moçambique pode gerar lucro de 270% aos especuladores

• O povo moçambicano poderá pagar entre US$ 1,7 bilhão a US$ 2,2 bilhões por um empréstimo original de US $ 800 milhões, sem o escrutínio da Assembleia da República, cujos benefícios são questionáveis.

O Governo de Moçambique anunciou que chegou a um acordo sobre um novo plano de pagamento da dívida com os detentores de alguns dos títulos de dívidas ilegítimos que mergulharam o país na actual crise financeiro-social.

Independentemente do prisma pelo qual o negócio for visto, ressalta sempre o seu carácter ultrajante para o povo de Moçambique. É inaceitável, sob qualquer ponto de vista, que o cidadão moçambicano pague, entre US$ 1,7 bilhão a US$ 2,2 bilhões, por um empréstimo de US$ 800 milhões do qual não tem recebido benefício algum. Enquanto isso, as empresas agora detentoras das dívidas poderão obter com esses títulos enormes lucros.

Estimativas indicam que uma empresa que tenha comprado os títulos da dívida em 2016 poderá obter um lucro de 50% se os vender agora. Ou seja, um negócio que renderia até 270% de lucro se Moçambique pagar, como está previsto que o faça nos próximos 15 anos.

Water pump in Chinhagore, Mozambique. Credit: Senorhorst Jahnsen

Antecedentes
A dívida resulta da concessão de garantias do Estado para um empréstimo no valor de US$ 800 milhões, em 2014, solicitado pela Ematum, empresa constituída com participações do Estado. As Organizações da Sociedade Civil em Moçambique realçam a ilegalidade destas garantias, dado não terem sido aprovadas pela Assembleia da República, violando a lei orçamental e demais dispositivos legais. O empréstimo foi supostamente contraído para investir numa frota de pesca de atum, contudo US$ 500 milhões nunca foram contabilizados. O Governo de Moçambique diz que foi gasto em equipamento militar, mas nenhuma evidência disso foi apresentada. A frota de pesca de atum continua atracada no porto de Maputo, desde a sua aquisição, sem qualquer utilização.

O valor nominal do empréstimo inicial era de US $ 850 milhões, mas US$ 90 milhões foram gastos com “taxas” para os bancos que organizaram o financiamento, nomeadamente o Credit Suisse e VTB Capital, sediados em Londres. Tudo indica que a “engenharia financeira” visou igualmente fazer passar a ideia segundo a qual o empréstimo tinha uma taxa de juros menor do que a realidade. Dos US$ 800 milhões que foram realmente emprestados, a auditoria independente da Kroll descobriu que todos tinham ido para o empreiteiro de barcos de pesca em Abu Dhabi, constando que nenhuma parcela deste valor passou pelo sistema financeiro moçambicano.

Ao contrário dos dois outros empréstimos, totalizando US$ 1,4 bilhão concedidos pelo Credit Suisse e VTB, o empréstimo para a Ematum foi divulgado publicamente após a sua concessão, com o Credit Suisse e a VTB a vender a dívida nos mercados financeiros como títulos. No entanto, o governo de Moçambique assegurou o pagamento das dívidas, através de garantias do Estado, se a Ematum não o pudesse fazer, contornando a necessária aprovação parlamentar, o que torna o empréstimo ilegal segundo as leis do país.

Em 2016, pouco antes dos US$ 1,4 bilhão das outras dívidas se tornarem públicas, o Governo de Moçambique concordou com uma reestruturação do empréstimo, o que reduziu os pagamentos entre 2016 e 2020, mas aumentou-os durante o período de vigência do empréstimo. Além disso, o executivo incluiu as dívidas nas contas gerais do governo, apesar da sua ilegalidade.

Depois da exposição pública de outros dois pacotes de dívidas, Moçambique não tem estado a pagar os empréstimos contraídos entre 2016 e 2017, incluindo a dívida que veio originalmente do empréstimo para a Ematum. Nem a Ematum nem o Governo de Moçambique fizeram qualquer pagamento desde então.

O incumprimento fez com que o preço da dívida caísse nos mercados internacionais. No final de 2016 e início de 2017, a dívida reestruturada da Ematum poderia ser comprada por entre 55% e 65% do seu valor nominal.

O acordo de dívida
O acordo recentemente anunciado refere que o governo de Moçambique poderá pagar toda a dívida, incluindo os juros acumulados nos últimos dois anos. Além disso, pagará 5,875% de juros sobre o valor principal e os pagamentos de juros acumulados. E, como uma afronta final ao povo de Moçambique, 5% das futuras receitas de gás serão pagas sobre os juros, até um máximo de US $ 500 milhões. Os pagamentos de juros começarão a partir de 2019, com o valor principal sendo pago entre 2029 e 2033.

Calcula-se que este acordo levará o povo moçambicano a pagar pelo menos US$ 1,7 bilhão no total da dívida, aumentando para US$ 2,2 bilhões.

Em contrapartida, o valor total dos pagamentos sob os termos originais do empréstimo teria sido de 1,1 mil milhões de dólares entre 2014 e 2020, e sob a primeira reestruturação de 1,4 bilhão entre 2014 e 2023.

Para uma empresa que comprou a dívida na fase inicial da sua contratação, passa a ganhar quase 200% a mais do que emprestou originalmente, ou 65% a mais do que se tivesse emprestado ao governo dos EUA.

No entanto, muitos dos titulares da dívida não compraram a dívida em 2014. Para aqueles que compraram quando Moçambique já se encontrava em situação de incumprimento, em 2016, poderiam fazer 270% a mais de lucro. Desde que o acordo foi anunciado, o valor da dívida de Moçambique nos mercados financeiros aumentou. Mesmo que um comprador de 2016 da dívida venda agora, ainda terá um lucro de 50%.

O que acontece depois
O acordo que o governo moçambicano anunciou é com quatro empresas que detêm cerca de 60% da dívida: Farallon Capital Europe, Greylock Capital Management, Mangart Capital Advisors e Pharo Management. Se 75% dos titulares concordarem com o negócio, o restante terá que obedecer.

O acordo deve ser aprovado pela Assembleia da República de Moçambique, por isso ainda pode ser anulado, se os deputados estiverem dispostos a lutar contra o mau negócio para o povo moçambicano.

As negociações sobre os outros US$ 1,4 bilhão de dívida ilegal ainda estão em curso, mas este acordo não é um bom sinal, pois revela muito sobre o peso que estes empréstimos ilegítimos terão sobre a vida do povo moçambicano.

A questão final é porque o governo de Moçambique concordaria com um acordo tão mau? É simplesmente chocante.

Síntese dos valores

Empréstimo Inicial
Valor inicial do empréstimo: $760 milhões (valor nominal de $850 milhões, mas $90 milhões destes eram “taxas” que foram inventadas para aparentar taxas de juro menores)
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2023: $1,1 biliões

Primeira reestruturação, em 2016
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2023: $1,4 biliões

Acordo estabelecido em Novembro de 2018
Juros e valor principal por pagar entre 2014 e 2033: $1,7 biliões + 5% das futuras receitas de gás, no máximo $500 milhões. Portanto um valor total máximo de $2,2 biliões

Lucro Potencial:
Nos finais de 2016 e inícios de 2017, $100 milhões da dívida de Moçambique poderiam ter sido comprados por $60 milhões. Se o acordo for implementado, estes $60 milhões terão um retorno de até $220 milhões. Se o valor tivesse sido emprestado ao governo Americano, haveria um retorno de $82 milhões para o mesmo período de tempo. Isto representa, portanto, um lucro de 270%.

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